terça-feira, 14 de julho de 2009

Os Lobos e a saga do mercado de quadrinhos no Brasil



A amiga loba Rita fez esse clip do dia do lançamento de Alcatéia na Casa das Rosas, em São Paulo. A gente abre com esse momento pra lembrar que há muitos caminhos para Roma. Alcatéia começou como quadrinho numa história única na Booken Mangá, a primeira revista de coletânea de mangá no Brasil. Como uma das histórias mais populares (vinha seguida de Contos de Leemyar), ela ganhou uma revista própria, em forma de álbum. Depois virou revista, mais fina. Aí acabou, porque quadrinho no Brasil é complicado, especialmente pela distribuição. Quando todos pensaram que não tinha mais pra onde ir, Alcatéia virou livro e deu certo. A história continua encantando as pessoas, que agora procuram pelos quadrinhos. A seguir, veja a matéria postada na página principal sobre o tema e quantas vidas pode ter um herói.



O tema que tem andado nas cabeças dos Lobos ultimamente é quanto tempo resta à mídia de papel com a chegada da mídia virtual e sua rápida expansão. Encontrei essa matéria sobre Alcatéia e sua transição de quadrinho para livro, publicada numa revista sobre HQs há um par de anos e achei que seria interessante revivê-la para entrarmos novamente no assunto: terá o quadrinho nacional alguma chance ou devemos desistir?

"Se uma das principais virtudes de um herói é não desistir nunca, já sabemos que o brasileiro está no topo da lista. Ao que parece, o mesmo acontece com os heróis criados por esta raça teimosa que só ela: o quadrinista brasileiro.

Quando citamos Alcatéia, muita gente pode lembrar do site ligeiramente esquizofrênico que reúne os fãs de cinema e praticantes de magia. O que pouca gente sabe é que o que originou o site foi um quadrinho em estilo mangá que surgiu nas bancas nos idos de 2001 num ousado álbum de 154 páginas formatão. Ousado porque o preço era salgado para o leitor padrão, especialmente para um título surgido do nada. Ousado também porque o tema não tinha a ver com adolescentes com super poderes tentando reunir peças como quem participa de uma gincana superlativa. Pelo contrário, Alcatéia tinha em seu herói o jovem Philippe Du Noige, um pobre coitado mestiço que aguarda ansiosamente pela transformação que o fará ser aceito num lugar que sempre o hostilizara.

A história se passava na França do século XVII, num lugar chamado Château das Vertentes, um refúgio de lobisomens onde humanos não eram muito bem-vindos. O roteiro, da escritora Eddie Van Feu, era rico e simples, narrando com graça a jornada do herói. A arte era então de Áxia Stowe, uma novata na área com talento inquestionável. Depois do primeiro álbum, Alcatéia prosseguiu em fascículos até o quinto número.

No terceiro número, Áxia saiu e entrou Carolina Mylius, mudando um pouco a cara da história. O traço de Áxia, apesar de bonito, era um tanto infantil para uma história adulta. Carolina amadureceu a história e quem lia não conseguia se conter para ver o próximo passo. Cada revista ainda trazia matérias sobre o universo, rico e devidamente estudado tanto pela roteirista quanto pelas desenhistas, e sobre a saga que era fazer quadrinho no Brasil, o que era uma aventura a parte.

Mas depois de 2005, quando saiu o último número de Alcatéia, a Linhas Tortas anunciou sua saída do mercado de quadrinhos de banca. Lamentos à parte, a Editora, como muitas outras antes dela, não agüentou o tranco de uma briga de cachorro grande, que era o que acontecia nas bancas. Mesmo com um material de qualidade e um público fiel, os quadrinhos da editora não conseguiam dar o retorno esperado. Peraí! Isso era pra ser uma matéria de inspiração! Não pode acabar assim! E ainda bem que não acaba. A Linhas Tortas saiu das bancas, ficando apenas em livrarias durante todo o ano de 2006 e anunciou que prosseguiria nos títulos em forma de álbuns. Assim, Contos de Leemyar, Clube dos Cinco, Heróis S.A. e Alcatéia teriam sua chance de ir até o fim em graphics bem cuidadas, tiragem menor e distribuição limitada.

Alcatéia recebeu seu segundo volume em forma de álbum em maio de 2007, com lançamento no Kodama, evento de mangá e anime de Brasília, enquanto os outros títulos continuam em produção. O que ninguém esperava era que Alcatéia continuasse também de outra forma. A história de Philippe ganhou profundidade, detalhismo e muito lirismo na forma de um livro que aguardado com curiosidade. Eddie Van Feu, que conta com um enorme número de leitores, resolveu seguir o conselho da amiga e desenhista da obra, Carolina Mylius, e transformou a obra em uma série de sete livros.

Dos quadrinhos para as livrarias, a história continua.

A idéia era chegar mais rápido ao fim da saga, com mais riqueza de detalhes. Pra quem lamenta a perda dos belos desenhos do quadrinho, não precisa chorar. Os livros são ilustrados e o primeiro volume, Prateada, com 300 páginas, já está disponível. Autora de diversos artigos, revistas e livros, como O Portal, um romance de aventura, Eddie Van Feu acredita que o livro de Alcatéia tem muito mais chances de alcançar o grande público do que o quadrinho. “Há uma certa magia em Alcatéia. De todas as pessoas que compraram conosco em eventos, não houve uma única que não tenha retornado para completar a coleção. No começo, fiquei triste em abandonar o quadrinho, mas hoje sei que é temporário”.
Celine e Ravin, personagens da trama, ganham figurino estudado e expressão no belo traço de Carolina Mylius.

Ela também conta que ficou feliz com a experiência de fazer o livro. “Os personagens cresceram e ganharam uma dimensão que eu nem sabia ser capaz de passar. Quando vou ao universo, entro num mundo tão real quanto esse que a gente vive no dia-a-dia.” A idéia de produzir sete volumes parece ambiciosa, mas não é tão difícil se considerarmos que a autora também produziu a Série Wicca, revistas de Previsões, matérias de humor, roteiros de quadrinhos, documentários, contos e contribuições para diversos jornais, revistas e publicações, além de dar assessoria para TVs, jornais e rádios de todo o país. Dos sete volumes, um já está à venda, o próximo está sendo finalizado e espera-se ao menos uma Alcatéia por ano.

Philippe ganha profundidade e se revela um personagem mais complexo, apesar de sua aparente simplicidade.

Felizmente, as histórias são independentes e podem ser lidas em qualquer ordem. Este é um tique nervoso da autora, que gosta que seu público a acompanhe porque quer e não porque é obrigado. Toda história é fechada em si mesma, deixando apenas o irresistível gostinho de quero mais. Quanto aos outros títulos, a autora prefere não comentar ainda sobre o futuro. Mas nós continuaremos esperando... Afinal, somos brasileiros e não desistimos nunca!"

O "NOW" é o AGORA!

Pois bem, dois anos se passaram (atualizei a matéria para o presente. Na época, a publicação do livro ainda estava sendo negociada e os quadrinhos estavam mais frescos na memória do que agora), e o cenário se apresenta outro. Pior ou melhor? nos fóruns, leitores reclamam do material que chega ou que não chega pelas editoras. As editoras reclamam que perdem espaço para a Internet, onde um nerd escaneia o quadrinho e disponibiliza pra todo mundo de graça.

No meio das reclamações, temos o autor brasileiro, aquele mesmo, que não desiste nunca (ou quase nunca. Já conheci uma meia dúzia que abandonou as canetas nankim por um emprego público). Há um bom tempo não vejo nada de novo no front no que diz respeito à produção nacional e até julguei este paciente difícil em coma. Mas eis que a Roda gira e joga o destino pra lá. A Turma da Mônica reaviva o interesse pelo quadrinho nacional, ressuscita a Luluzinha, todo mundo vira adolescente e vendem milhões. E finalmente, o quadrinista brasileiro pode sonhar de novo! Será que pode mesmo? De vez em quando recebo algum tipo de e-mail de desenhista culpando as editoras por não acreditarem no trabalho nacional.
Philippe e Prateada em SD, no traço do desenhista Corsário.

Sou obrigada a partir em defesa das editoras. Olha só a minha situação. Sou escritora, desenhista e trabalho com editores o tempo todo. Sei que é difícil manter um negócio e sei que é terrível lidar com alguns artistas que acham que aqui deveria ser como nos Estados Unidos, ou no Japão. Temos uma série de problemas com o quadrinho nacional. Na maioria das vezes, infelizmente, não é culpa da editora. Eu sei o quanto é frustrante não poder culpar o lado aparentemente mais forte da corda, mas é verdade. A editora, geralmente, faz o que pode. Bota na gráfica e bota na banca. Aí temos o problema real.
Alcatéia começou com o traço de Axia Stowe.

O artista nacional não tem preparo para um mercado profissional, que vai exigir dele noites em claro e um trabalho de alto nível, conquistado geralmente com um ESTÚDIO e não por uma pessoa só. A maioria não aguenta a pressão e abandona o barco. Eles podem dizer que não ganham pra isso. E vão ter toda a razão (e você está ouvindo isso de alguém que varou várias noites em cima de uma página de quadrinhos). Mas o desenhista ainda não é o problema. Há os que desistem, mas há vários que são realmente heróis e não desistem nunca. MESMO! É o piolho.

Carolina Mylius levou Alcatéia para um novo nível duas vezes. Uma no quadrinho, outra no livro.

O mercado é ruim, o pagamento é uma paçoquinha e um amendoin, o reconhecimento é quase inexistente e as críticas são destruidoras. Mas ele está lá, porque respira nankim. Então, podemos considerar que os desistentes viraram balconistas ou outra coisa qualquer e os teimosos continuarão na luta. Qual o problema então? O PROBLEMA SE CHAMA LEITOR! Sim, o problema é o leitor. Não temos um hábito de leitura que faça com que as pessoas procurem por quadrinhos. Pelo contrário, temos um preconceito contra as histórias em quadradinhos. São vistas como coisas de crianças. Não são vistas aqui como arte. Este é o perfil do grande público. Ele vai ler O Caçador de Pipas, vai achar o máximo porque a Veja disse que é o máximo, e vai torcer o nariz para qualquer coisa em quadrinho.

Se serve de consolo a desgraça alheia, os Estados Unidos também têm esse preconceito. Se não tivesse, Batman - O Cavaleiro das Trevas tinha sido indicado e ganho alguns Oscars. Não se iluda com o Oscar para o Heather Ledger, ele só ganhou porque morreu. Se estivesse vivo, não teria ganho. Mas nós temos um monte de gente nos fóruns e eventos de mangás, gente que lê quadrinho! Sim, temos um público de quadrinho, mas ele vai procurar o que já conhece, o que já viu em desenho animado, o que já existe há décadas, com novas roupagens.

Philippe e Celine, seu amor impossível no traço de Débora Usagi.

Sobra o leitor de quadrinho alternativo, aquele que lia Sandman nos anos 90 e Chiclete com Banana nos 80. Esse infeliz está neste momento endividado tentando manter a família ou morando com a mãe, e tentando manter a família. Enfim, o público para o chamado quadrinho nacional mal enche uma kombi. E essa porcaria de kombi não anda. E se andar, a polícia vai mandar parar porque ela não tem condições de circular com passageiros. Terminará enferrujando numa garagem qualquer. E então? O que fazemos? Sinceramente, não sei. Acho que o peixe nada porque não sabe fazer outra coisa.

Quem ama quadrinho vai continuar fazendo, só que terá que ter um emprego. Quem gosta de ler terá que procurar com mais afinco, ao invés de esperar que caia no seu colo. Poucas publicações hoje chegam ao público exigente. Quem quiser mais do que um best seller vendido de antemão por um marketing bem-feito, vai ter que ir atrás. Nesse ponto, se a Internet pode ter ajudado a matar o quadrinho, ela pode até mesmo ajudar a ressuscitá-lo. Não há nada que não se encontre na Internet. Basta um pouco de boa vontade e se livrar da necessidade patológica de ter tudo de graça (uma espécie de maldição que a geração atual de adolescentes adquiriu e poderá matar todos eles em muito pouco tempo, porque nada bom vem de graça).

Sim, podemos ter um mercado, não só de quadrinhos, mas de livros e de roteiros. Teremos profissionais preparados e um público exigente, porém leal. Muita coisa pode acontecer. Ainda é cedo pra desistir. Caindo de cabeça nos livros, olho para trás e parece que fazer quadrinhos era uma coisa que eu fazia na minha vida passada, algo entre a Queda da Bastilha e minha trágica morte numa emboscada. Mas, de repente, percebo que as pessoas estão procurando pelos quadrinhos que eu já fiz. As HQs de Alcatéia voltaram a ser procuradas, por causa do livro. Foi uma surpresa. Uma boa surpresa. Por isso acho que não precisamos desistir. Muita coisa pode acontecer. Philippe que o diga!

Pra quem quer conferir, a Linhas Tortas ainda vende os álbuns de Alcatéia #1 e #2, além do livro, claro, Alcatéia - Prateada. É só dar uma ligada ou uma emeiada: linhastortas@alcateia.com Tel.: (21)3872-4971

Um comentário:

  1. Oi Eddie!!!
    Que legal você cantando,Hallelluyah é uma canção muito bela mesmo,a versão que mais me emociona é a do Jeff Buckley(não desmerecendo a sua).
    Parabéns pelo blog,é lindo!!!

    Janete

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